quarta-feira, 26 de agosto de 2020

O ESCUTA e a Aldeia afro-indígena urbana.

 

A ideia de criar oficinas sobre a cultura indígena no Espaço Cultural Frei Tito de Alencar – ESCUTA tem inicio com a Comunidade Aldeia, formada por famílias que se auto reconhecem como povos afro-indígenas. A Aldeia fica localizada na Rua dos Monarcas, bairro Pici em Fortaleza. O Escuta sempre teve uma relação muito grande com essas famílias, as crianças sempre participam das atividades, principalmente com personagens do Pastoril. A surpresa foi numa conversa com a Neide e sua filha Alice, nos contaram que o local onde moram é conhecido por Aldeia, por organizarem suas moradias como os indígenas, com duas entradas uma pela Rua dos Monarcas e outra na Joaquim Manoel de Macedo e no centro do terreno ficam as casas. Após essa conversa com Lúcia Vasconcelos e Leonardo Sampaio resolvemos ir até lá em atividades de pandemia por conta do Coronavírus, numa parceria da ONG Diaconia. Reunimos em roda no centro a Aldeia, estávamos levando ali a colaboração de um cartão alimento para 20 famílias, com a finalidade de aliviar a fome, já que sabíamos da extrema pobreza e que estavam parados das atividades econômicas que geram renda, como: reciclagem, serviços de pedreiros, serventes, trabalhadoras domésticas e outros biscates.

            Na ocasião identificamos que as meninas dançarinas do Pastoril do ESCUTA já eram mães, ainda muito novas, pararam de estudar, mas com ânsia de voltar para sala de aula, dizia Alice, de dançar o Pastoril, mas a bebê de um mês tem que mamar, precisa de tempo exclusivo, as crianças e adolescentes que sempre frequentam o Escuta queriam saber o que iria ter lá que pudessem participar. Sem resposta levamos o desafio pra pós-pandemia.

Diante do desafio surgem as ideias de como ajudá-las, principalmente crianças e adolescentes, encarando que são afro-indígenas vivendo no espaço urbano, que gostam da cultura popular e têm o ESCUTA como referência. Partimos para ação, primeiro passo, recuperar as estruturas físicas do espaço, para dar condição de acolhê-las, segundo recuperar os instrumentos de percussão, violão, som, televisão, data show, mas para isso precisa recursos financeiros, aí lançamos a campanha, arrecadamos o que foi necessário para recuperar muros, pinturas, palco, banheiros, paredes externas e iluminação. A campanha está em curso, tem muito ainda o que recuperar e adquirir, em dinheiro seriam uns 15 mil reais, isso não inclui manutenção permanente.

Que bom, o ESCUTA já pode iniciar algo que não inclua instrumentos, pode ser a Biblioteca e o Banquete literário, que tem uma meta de leitura, produção de texto e edição de livros com a escrita do Banquete. Inclui aí leitura de textos, contação de histórias para as famílias das crianças e ouvir suas próprias histórias. Vimos que isso é possível, desde que tenhamos parcerias voluntárias ou de organizações que já trabalhem nessa linha, mas que respeite a linha pedagógica do ESCUTA, de combate a toda forma de exploração e se alinhe na construção de uma sociedade com equidade e o bem viver.

Dentro desse contexto, do que fazer veio a ideia de parceria com a Aldeia, montar oficinas com crianças e adolescentes sobre a cultura indígena e a formação de um grupo de dança do toré, que só precisa do maracá como instrumento e esse eu tenho vários que eu mesmo fiz com quenga de coco e semente de Pau Brasil e cabo de vassoura.

Fui à Aldeia e fiz o convite dia 25/08/2020, conversei com Alice e algumas crianças que pularam de alegria, marquei para as 16h e rapidamente chegaram 8 no ESCUTA, sob a coordenação da Alice com sua bebê nos braços. Apliquei a experiência do trabalho pedagógico que fiz na Escola Bergson Gurjão Farias onde trabalho. Lá formei um grupo de dança do Toré com as crianças, só bastei balançar o maracá elas apareceram, o ancestral ouviu e o corpo respondeu com o ritmo, a dança e a circularidade e chegamos a nos apresentar na Bienal do Livro.

Começamos com 8 crianças, não sabiam ainda o que ia acontecer, falaram seus nomes, conversamos sobre o cuidado com o coronavírus, o uso da máscara, depois o que conhecem sobre índios, uma falou em canibal, as demais dos costumes e alimentos coisas aprendidas na escola. Identificaram a Aldeia como lugar de afro-indígena, a Alice disse que foi sua avó que organizou a ocupação do terreno para todos morarem lá. Continuando, falei sobre o objetivo da parceria entre Escuta e Aldeia que é conhecermos melhor a cultura afro-indígena e formar um grupo de dança do Toré/Torem. A reação foi excelente, uma alegria só, mexeu com o ancestral. Comecei a ensinar a letra de duas músicas, depois falei sobre o instrumento musical, o maracá e mostrei uns que eu construí com quenga de coco que encontrava no chão lá na Escola, mostrei o ritmo e como tocar o maracá e cantar. Ao final estávamos todos/as felizes. Fizemos um calendário para nos encontrar terças e quintas dando continuidade às oficinas com a cultura indígena, para que a Aldeia se aproprie e incorpore a ancestralidade. A perspectiva é inserir também a ciranda para contemplar o afro-indígena.

 

 Músicas do Toré que darão sequência

 

1.    Quem deu esse nó

2.    Pisa ligeiro

3.    É Deus no céu

4.    O vento balança o mar

5.    Tava lá na mata

6.    Pisa na Jurema

7.    Oi pisa devagar

8.    O Jandê

9.    Água de manim.

 

Leonardo Sampaio - Coordenador Patrimonial do Espaço Cultural Frei Tito - ESCUTA.