“Como contexto prático-teórico a escola
não pode prescindir de conhecimentos em torno do que se passa no contexto
concreto de seus alunos e das famílias deles. De que forma entender as
dificuldades durante o processo de alfabetização de alunos sem saber o que se
passa em sua experiência em casa, bem como em que extensão é ou vem sendo
escassa a convivência com palavras
escritas em seu contexto sócio-cultural?
Uma coisa é a criança filha de intelectuais
que vê seus pais lidando com a leitura e escrita, outra é a criança de pais que
não lêem a palavra e que, mais ainda, não vêem mais de cinco ou seis faixas de
propaganda eleitoral e uma ou outra propaganda comercial.
Quando fui secretário municipal de
Educação no governo de Luiza Erundina (1989-1991) levantei, numa das muitas
entrevistas que dei, a questão da possibilidade de que alguma empresa, com a
orientação pedagógica da Secretaria, aceitasse o projeto de ‘plantar frases’ em lugares
significativos de localidades iletradas. A intenção era provocar a curiosidade
das crianças e dos adultos. Frases que tivessem que ver com a prática social da
área e não fossem estranhas a ela. Frases que seriam também aproveitadas pelas
escolas em volta da região da experiência.
Quando vivi e trabalhei no Chile como
exilado, havia visto surpreso e feliz, numa zona de reforma agrária em que se
desenvolvia o trabalho de alfabetização de adultos, frases e palavras gravadas
em troncos de árvores pelos alfabetizandos. A socióloga Maria Edi Ferreira
denominou aqueles camponeses de ‘semeadores de palavras’.
Não quero que se pense que uma
comunidade iletrada hoje se torne letrada amanhã só porque ‘plantamos palavras
e frases’ nela. Não! Uma comunidade vai se tornando letrada à medida que o
exigem novas necessidades sociais, de natureza material e também espiritual. É
possível, porém, antes que as mudanças ocorram, que possamos ajudar as crianças
a ler e a escrever usando artifícios como ‘plantar frases’.”
Paulo Freire - "Professor sim, tia não! - Cartas a quem ousa ensinar", 1993.
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