terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Trecho do livro de Paulo Freire “Professora sim, tia não! – Cartas a quem ousa ensinar”, de 1993.

“Como contexto prático-teórico a escola não pode prescindir de conhecimentos em torno do que se passa no contexto concreto de seus alunos e das famílias deles. De que forma entender as dificuldades durante o processo de alfabetização de alunos sem saber o que se passa em sua experiência em casa, bem como em que extensão é ou vem sendo escassa a convivência com palavras escritas em seu contexto sócio-cultural?

 Uma coisa é a criança filha de intelectuais que vê seus pais lidando com a leitura e escrita, outra é a criança de pais que não lêem a palavra e que, mais ainda, não vêem mais de cinco ou seis faixas de propaganda eleitoral e uma ou outra propaganda comercial.

Quando fui secretário municipal de Educação no governo de Luiza Erundina (1989-1991) levantei, numa das muitas entrevistas que dei, a questão da possibilidade de que alguma empresa, com a orientação pedagógica da Secretaria, aceitasse o projeto de ‘plantar frases’ em lugares significativos de localidades iletradas. A intenção era provocar a curiosidade das crianças e dos adultos. Frases que tivessem que ver com a prática social da área e não fossem estranhas a ela. Frases que seriam também aproveitadas pelas escolas em volta da região da experiência.

Quando vivi e trabalhei no Chile como exilado, havia visto surpreso e feliz, numa zona de reforma agrária em que se desenvolvia o trabalho de alfabetização de adultos, frases e palavras gravadas em troncos de árvores pelos alfabetizandos. A socióloga Maria Edi Ferreira denominou aqueles camponeses de ‘semeadores de palavras’.


Não quero que se pense que uma comunidade iletrada hoje se torne letrada amanhã só porque ‘plantamos palavras e frases’ nela. Não! Uma comunidade vai se tornando letrada à medida que o exigem novas necessidades sociais, de natureza material e também espiritual. É possível, porém, antes que as mudanças ocorram, que possamos ajudar as crianças a ler e a escrever usando artifícios como ‘plantar frases’.”

Paulo Freire - "Professor sim, tia não! - Cartas a quem ousa ensinar", 1993.


Nenhum comentário:

Postar um comentário