sexta-feira, 31 de julho de 2015

O ESCUTA e a sua dimensão histórica - 1980-2015.




O Espaço Cultural Frei Tito de Alencar (ESCUTA), que fica situado na periferia de Fortaleza, é uma organização sem fins lucrativos de natureza cultural, que busca promover a arte, a cultura e a educação popular, e tem inserido recentemente nas suas linhas de ações o esporte como forma de inserção social e de construção da cidadania. O nome do Espaço homenageia o cearense Frei Tito de Alencar, dominicano que com a sua doação e dedicação de vida se tornou mártir social na luta contra a Ditadura Militar no Brasil.

Mas nem sempre o ESCUTA foi uma instituição formalizada. O ESCUTA teve início em 1980 com a chegada de vários missionários e missionárias cristãos católicos na Favela da Fumaça, no Pici, que era constituída apenas de becos e travessas, em um ambiente extremamente desumano, formado por descendestes de índios Tapebas, Tremembés, Tabajaras e afrodescendentes, possivelmente de diversos Quilombos espalhados pelo Estado do Ceará. Foi nesse ajuntamento de etnias que se formou a Fumaça e tornou-se uma espécie de Quilombo, com toda a beleza negra, branca e indígena e suas potencialidades religiosas e culturais. Faltava a esses povos conhecimentos de seus direitos e deveres pra juntar aos seus saberes e elevar o nível de sua organização. O grupo de missionários(as), a partir da fé, colaborou para que ali se formasse a primeira organização comunitária, que foi a Comunidade Eclesial de Base (CEB) da Fumaça. As CEBs perceberam que uma das dificuldades locais era o analfabetismo de crianças, adolescentes, jovens e adultos e é daí que nasce a Escolinha Comunitária Frei Tito de Alencar, hoje ESCUTA - Espaço Cultural Frei Tito de Alencar, que como primeira ação, formou jovens da comunidade com o método Paulo Freire, para serem educadores e educadoras, não só do alfabeto e letramento, mas principalmente da leitura crítica de mundo, utilizando-se na formação também a Comunicação Popular com a Rádio Comunitária Frei Tito nas décadas de 1980 e 1990 e tornou-se ONG (Organização Não-Governamental) a partir de 2003.  

Desde então o ESCUTA vem realizando processos de formação continuada que envolve diferentes dimensões da vida e da arte. A Educação Popular, presente na formação de educadores e educadoras, inspirada nos Círculos de Cultura freireanos para alfabetização, passa a se realizar a partir de 2003 como formação de Animadores e Animadoras Culturais dos Círculos de Cultura Brincantes, ainda tendo como inspiração os Círculos e Cultura freireanos, mas colocando a arte, em especial, o teatro e a música, como mediação sensível para realizar uma leitura de mundo crítica e lúdica.

A vivência celebrativa da Espiritualidade Libertadora, fundamentada na Teologia da Libertação, permitiu ao ESCUTA, mesmo enquanto Núcleo Eclesiástico (CEB’s), romper com o conservadorismo religioso, celebrando a vida na proposta de Jesus Cristo Libertador, refletindo e agindo de modo a superar as injustiças do Sistema Capitalista, ultrapassando dessa forma os limites da Religião, ampliando o olhar em diversas dimensões: política, econômica, artística, ecológica, de gênero, afetiva, espiritual etc.

A Cultura Popular presente nas manifestações culturais, que mobilizam crianças, jovens, adultos e idosos, tornou-se importante elemento na construção do Espaço, como, por exemplo, o Reisado do ESCUTA que completou em 2015, 25 anos de realização; o Pastoril do ESCUTA que já completou 11 anos; O bumba-meu-boi do ESCUTA que é encenado há 13 anos; a Semana Cultural do ESCUTA também completa 25 anos em 2015.

A Arte é um elemento de formação e de profissionalização de muitos jovens nos últimos anos. Presente nas linguagens da música (canto e percussão), teatro, danças populares, literatura, tem consolidado além de um importante processo formativo por meio da formação de grupos como o Grupo de Teatro e Música, que já existe há 13 anos. A experiência do Banquete Literário com a Literatura, que teve início em 2003 e está sendo retomado agora em 2015, como parte da programação da Biblioteca Elizabeth Muniz, incentivou e incentiva a entrada das pessoas da comunidade nas Universidades; Ao longo dos últimos 13 anos, o ESCUTA conta com a produção de mais de 15 espetáculos teatrais, um grande repertório de canções da cultura popular, como coco, ciranda, maracatu, reisado, bumba-meu-boi, afoxés, baião, xote e xaxado, com a gravação de dois CDs, o último sendo finalizado agora em 2015, com canções autorais em parceria com músicos e artistas de Fortaleza. Para 2015 ainda teremos a inserção da linguagem das Artes Visuais com oficinas de fotografia e a formação de um grupo permanente nesta área.

A partir de 2014 o Esporte entra na dinâmica de atividades do ESCUTA, exercendo um importante papel de mobilização e integração entre, crianças, adolescentes, jovens e suas famílias. Além de todo o benefício que a prática de esporte traz para a vida das pessoas, como: saída do sedentarismo, prevenção de inúmeras doenças, inclusive de ordem psicossomática, aumento da autoestima, promove o sentimento de realização e de superação. É por isso que o ESCUTA tem investido no Jiu-Jitsu e no Basquete como sendo ações potencializadoras da participação, do envolvimento e da aproximação de novas pessoas, que ao se mobilizarem pelo esporte vão tomando contato com o universo cultural, político e social de ações que o ESCUTA desenvolve.

*Texto escrito coletivamente por: João Paulo Roque, Edvânia Ayres, Leandson Sampaio, Lúcia Vasconcelos e Leonardo Sampaio para o jornal de Agosto de 2015 “Tribuna Santa”, da Área Pastoral Santo Antônio do Pici e discutido no Banquete Literário no dia 29.07.15.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Vídeo "O perigo de uma história única" no Banquete Literário do ESCUTA do dia 22.07.15

Banquete Literário realizado no dia 22.07.15 no Espaço Cultural Frei Tito de Alencar. O Banquete acontece todas as quartas a partir das 19h na sede do ESCUTA, na Rua Noel Rosa, 150 - Pici - Fortaleza/CE, como parte da programação da nossa Biblioteca Elizabeth Muniz, com o apoio do Ministério da Cultura.

Participaram deste Banquete: José Augusto, Leandson Sampaio, Talita Freitas, Lucas Wendel, Júlia Sousa, Dennis Vasconcelos, Herbert Hipólito, Luan Vasconcelos, Lucas Fiúza e João Paulo Roque.




Vídeo "O perigo de uma história única"

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fotos do Banquete Literário do ESCUTA - 15.07.07.

Participaram do Banquete: João Paulo, Edvânia Ayres, José Augusto, Maria Júlia, Lucas Wendel, Talita Freitas, Luan Vasconcelos, Leandson Sampaio e Karla Cabral.








quinta-feira, 16 de julho de 2015

Texto e vídeo do Banquete Literário do dia 15.07.15.



Trecho do livro de Paulo Freire “Pedagogia da Esperança – um reencontro com a Pedagogia do Oprimido”, 1992.



“Entre as responsabilidades que, para mim, o escrever propõe, para não dizer impõe, há uma que sempre assumo. A de, já vivendo enquanto escrevo a coerência entre o escrevendo-se e o dito, o feito, o fazendo-se, intensificar a necessidade desta coerência ao longo da existência. A coerência não é, porém, imobilizante. Posso, no processo de agir-pensar, falar-escrever, mudar de posição. Minha coerência assim, tão necessária quanto antes, se faz com novos parâmetros. O impossível para mim é a falta de coerência, mesmo reconhecendo a impossibilidade de uma coerência absoluta. No fundo, esta qualidade ou esta virtude, a coerência, demanda de nós a inserção num permanente processo de busca, exige de nós paciência e humildade, virtudes também, no trato com os outros. E às vezes nos achamos, por n razões, carentes dessas virtudes, fundamentais ao exercício da outra, a coerência.

Nesta fase da retomada da Pedagogia, irei apanhando aspectos do livro que tenham ou não provocado críticas ao longo desses anos, no sentido de explicar-me melhor, de clarear ângulos, de afirmar e de reafirmar posições.

Falar um pouco da linguagem, do gosto das metáforas, da marca machista com que escrevi a Pedagogia do Oprimido e, antes dela, Educação como prática de Liberdade, me parece não só importante mas necessário.

Começarei exatamente pela linguagem machista que marca todo o livro e de minha dívida a um sem-número de mulheres norte-americanas que, de diferentes partes dos Estados Unidos, me escreveu, entre fins de 1970 e começos de 1971, alguns meses depois que saiu a primeira edição do livro em Nova York. Era como se elas tivessem combinado a remessa de suas cartas críticas que me foram chegando às mãos em Genebra durante dois a três meses, quase sem interrupção.

De modo geral, comentando o livro, o que lhes parecia positivo nele e a contribuição que lhes trazia à sua luta, falavam, invariavelmente, do que consideravam em mim uma grande contradição. É que, diziam elas, com suas palavras, discutindo a opressão, a libertação, criticando, com justa indignação, as estruturas opressoras, eu usava, porém, uma linguagem machista, portanto discriminatória, em que não havia lugar para as mulheres. Quase todas as que escreveram citavam um trecho ou outro do livro, como o que agora, como exemplo, escolho eu mesmo: ‘Desta forma, aprofundando a tomada de consciência da situação, os homens se ‘apropriam’ dela como realidade histórica, por isto mesmo, capaz de ser transformada por eles’. E me perguntavam: ‘Por que não, também, as mulheres?’.

Me lembro como se fosse agora que estivesse lendo as duas ou três primeiras cartas que recebi, de como, condicionado pela ideologia autoritária, machista, reagi. E é importante salientar que, estando nos fins de 1970 e começos de 1971, eu já havia vivido intensamente a experiência da luta política, já tinha cinco a seis anos de exílio, já havia lido um mundo de obras sérias, mas, ao ler as primeiras críticas que me chegavam, ainda me disse ou me repeti o ensinado na minha meninice: ‘Ora, quando falo homem, a mulher necessariamente está incluída’. Em certo momento de minhas tentativas, puramente ideológicas, de justificar a mim mesmo, a linguagem machista que usava, percebi a mentira ou a ocultação da verdade que havia na afirmação: ‘Quando falo homem, a mulher está incluída’. E por que os homens não se acham incluídos quando dizemos ‘As mulheres estão decididas a mudar o mundo’? Nenhum homem se acharia incluído no discurso de nenhum orador ou no texto de nenhum autor que escrevesse: ‘As mulheres estão decididas a mudar o mundo’. Da mesma forma como se espantam (os homens) quando a um auditório quase totalmente feminino, com dois ou três homens apenas, digo: ‘Todas vocês deveriam’ etc. Para os homens presentes ou eu não conheço a sintaxe da língua portuguesa ou estou procurando ‘brincar’ com eles. O impossível é que se pensem incluídos no meu discurso. Como explicar, a não ser ideologicamente, a regra segundo a qual se há duzentas mulheres numa sala e só um homem devo dizer: ‘Eles todos são trabalhadores dedicados’?. Isto não é, na verdade, um problema gramatical mas ideológico.

Neste sentido é que explicitei no começo destes comentários o meu débito àquelas mulheres, cujas cartas infelizmente perdi também, por me terem feito ver o quanto a linguagem tem de ideologia.

Escrevi então, a todas, uma a uma, acusando suas cartas e agradecendo a excelente ajuda que me haviam dado. Daquela data até hoje me refiro sempre a mulher e homem ou seres humanos. Prefiro, às vezes, enfeiar a frase explicitando, contudo, minha recusa à linguagem machista.

Agora, ao escrever esta Pedagogia da Esperança, em que repenso a alma e o corpo da Pedagogia do Oprimido, solicitarei das editoras que superem a sua linguagem machista. E não se diga que este é um problema menor porque, na verdade é um problema maior. Não se diga que, sendo fundamental a mudança do mundo malvado, sua recriação, no sentido de fazê-lo menos perverso, a discussão em torno da superação da fala machista é de menor importância, sobretudo porque mulher não é classe social.

A discriminação da mulher, expressada e feita pelo discurso machista e encarnada em práticas concretas é uma forma colonial de tratá-la, incompatível, portanto, com qualquer posição progressista, de mulher ou de homem, pouco importa.

A recusa à ideologia machista, que implica necessariamente a recriação da linguagem, faz parte do sonho possível em favor da mudança do mundo. Por isso mesmo, ao escrever ou falar uma linguagem não mais colonial eu o faço não para agradar a mulheres ou desagradar homens, mas para ser coerente com minha opção por aquele mundo menos malvado de que falei antes. Da mesma forma como não escrevi o livro que ora revivo, para ser simpático aos oprimidos como indivíduos e como classe e simplesmente fustigar os opressores como indivíduos e como classe também. Escrevi o livro como tarefa política, que entendi dever cumprir.

Não é puro idealismo, acrescente-se, não esperar que o mundo mude radicalmente para que se vá mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação entre linguagem-pensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória. É claro que a superação do discurso machista, como a superação de qualquer discurso autoritário, exige ou nos coloca a necessidade de, concomitantemente com o novo discurso, democrático, antidiscriminatório, nos engajarmos em práticas também democráticas.

            O que não é possível é simplesmente fazer o discurso democrático, antidiscriminatório e ter uma prática colonial.”

A Pedagogia Libertadora de Paulo Freire.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Texto e vídeo do Banquete Literário do dia 08.07.15.

Documentário "Paulo Freire Contemporâneo".

Trecho do livro de Paulo Freire “Pedagogia da Esperança – um reencontro com a Pedagogia do Oprimido”, 1992.


“Me lembro agora de uma visita que fiz, com um companheiro chileno, a um assentamento da reforma agrária, algumas horas distante de Santiago. Funcionavam à tardinha vários ‘círculos de cultura’ e fomos para acompanhar o processo de leitura da palavra e de re-leitura do mundo. No segundo ou terceiro círculo a que chegamos, senti um forte desejo de tentar um diálogo com o grupo de camponeses. De modo geral evitava fazê-la por causa da língua. Temia que meu “castanhês” prejudicasse o bom andamento dos trabalhos. Naquela tarde, resolvi deixar de lado a preocupação e, pedindo licença ao educador que coordenava a discussão do grupo, perguntei a este se aceitava uma conversa comigo.

Depois da aceitação, começamos um diálogo vivo, com perguntas e respostas de mim e deles a que, porém, se seguiu, rápido, um silêncio desconcertante. Eu também fiquei silencioso. Dentro do silêncio, recordava experiências anteriores no Nordeste brasileiro e adivinhava o que aconteceria. Eu sabia e esperava que, de repente, um deles, rompendo o silêncio, falaria em seu nome e no de seus companheiros. Eu sabia até o teor de seu discurso. Por isso, a minha espera no meu silêncio deve ter sido menos sofrida do que para eles estava sendo ouvir o silêncio mesmo.

‘Desculpe, senhor’, disse um deles, ‘que estivéssemos falando. O senhor é que podia falar porque o senhor é que sabe. Nós, não’.

Quantas vezes escutara esse discurso em Pernambuco e não só nas zonas rurais, mas no Recife também. E foi à custa de ouvir discursos assim que aprendi que, para o(a) educador(a) progressista não há outro caminho senão assunto o ‘momento’ do educando, partir de seu ‘aqui’ e de seu ‘agora’, somente como ultrapassa, em termos críticos, com ele, sua ‘ingenuidade’. Não faz mal repetir que respeitar sua ingenuidade, sem sorrisos irônicos ou perguntas maldosas, não significa dever o educador se acomodar a seu nível de leitura do mundo.

O que não teria sentido era que eu ‘enchesse’ o silêncio do grupo de camponeses com minha palavra, reforçando assim a ideologia que já haviam explicitado. O que eu teria de fazer era partir da aceitação de alguma coisa dita no discurso do camponês e, problematizando-os, trazê-los ao diálogo de novo. Não teria sentido, por outro lado, após ter ouvido o que disse o camponês, desculpando-se porque haviam falado quando eu é que poderia fazê-la, porque sabia, se eu lhes tivesse feito uma preleção, com ares doutorais, sobre a ‘ideologia do poder e o poder da ideologia’.

(...)

‘Muito bem’, disse em resposta à intervenção do camponês. ‘Aceito que eu sei e vocês não sabem. De qualquer forma, gostaria de lhes propor um jogo que, para funcionar bem, exige de nós absoluta lealdade. Vou dividir o quadro-negro em dois pedaços, em que irei registrando, do meu lado e do lado de vocês, os gols que faremos eu, em vocês; vocês, em mim. O jogo consiste em cada um perguntar algo ao outro. Se o perguntado não sabe responder, é gol do perguntador. Começarei o jogo fazendo uma primeira pergunta a vocês’. A essa altura, precisamente porque assumira o ‘momento’ do grupo, o clima era mais vivo do que quando começáramos, antes do silêncio.

Primeira pergunta:

- Que significa maiêutica socrática?

Gargalhada geral e eu registrei o primeiro gol.

- Agora cabe a vocês fazer a pergunta a mim – disse.

Houve uns cochichos e um deles lançou a questão:

- Que é curva de nível?

Não soube responder. Registrei um a um.

- Qual a importância de Hegel no pensamento de Marx?

Dois a um.

- Para que serve a calagem do solo?

Dois a dois.

- Que é um verbo intransitivo?

Três a dois.

- Que relação há entre curva de nível e erosão?

Três a três.

- O que é adubação verde?

Quatro a quatro.

Assim, sucessivamente, até chegarmos a dez. Ao me despedir deles lhes fiz uma sugestão: ‘Pensem no que houve esta tarde aqui. Vocês começaram discutindo muito bem comigo. Em certo momento ficaram silenciosos e disseram que só eu poderia falar porque só eu sabia e vocês não. Fizemos um jogo sobre saberes e empatamos dez a dez. Eu sabia dez coisas que vocês não sabiam e vocês sabiam dez coisas que eu não sabia. Pensem sobre isto’”.